Por Carmen de Labra Pinedo, Universidade da Coruña / The Conversation
Está ali na mesa de cabeceira, olhando para nós de forma acusadora, aquele livro que ganhamos no Natal passado, que nos disseram que iríamos amar, que sabemos que vamos gostar, mas… chegou a hora do (aplicativo) BeReal e, depois disso, começamos a verificar o que os amigos estavam dizendo no WhatsApp.
Além disso, lemos o suficiente para a aula, ou para o trabalho… Pensamos: “Vou relaxar um pouco e depois ler (o livro)”. Porém, antes que percebamos, mais de uma hora se passou e não há mais tempo para a literatura.
Esta situação lhe parece familiar? Na era das redes sociais, o tempo que passamos lendo um livro diminuiu significativamente, principalmente entre crianças e adolescentes que têm maior probabilidade de passar horas em plataformas como TikTok ou Instagram.
No entanto, a neurociência revela que a leitura de livros tem efeitos muito mais positivos e duradouros no cérebro em comparação com o consumo de conteúdo nas redes. Este artigo examina, do ponto de vista neurocientífico, porque ler um livro produz efeitos benéficos em áreas como memória, empatia e capacidade de concentração, enquanto a utilização de mídias sociais, embora gratificante a curto prazo, pode ter efeitos negativos a longo prazo.
Melhorar a memória e a concentração
A leitura de um livro envolve um processamento cognitivo profundo. Durante o processo, nosso cérebro ativa áreas como o córtex pré-frontal e o hipocampo, responsáveis por funções como planejamento, reflexão e memória de longo prazo. Conhecer a história e compreender um texto força o cérebro a conectar ideias e refletir sobre os temas levantados, o que fortalece os circuitos neurais associados à atenção e aprendizagem.
Além disso, este esforço intelectual promove a criação de conexões sinápticas no hipocampo, o que melhora a nossa memória e a nossa capacidade de reter informações.
Diferentes tipos de gratificação
Por outro lado, o conteúdo das redes sociais é muito breve e estimulante para o nosso sentido de visão, que ativa áreas do cérebro como o núcleo accumbens, que está relacionado à gratificação imediata. Este tipo de processamento rápido e fragmentado enfraquece a nossa capacidade de concentração e a nossa capacidade de memorizar. Como consequência, este consumo de redes sociais, em vez de produzir uma aprendizagem profunda, produz uma dependência do tipo de estimulação rápida e superficial.
Dosagem de dopamina
Se levarmos em conta o nosso sistema neurotransmissor, sabemos que a dopamina é o neurotransmissor que o cérebro libera em resposta a uma experiência prazerosa, e seu funcionamento difere acentuadamente quando lemos um livro e quando consumimos mídias sociais.
No primeiro caso, a dopamina é liberada de forma gradual e contínua à medida que avançamos na narrativa do livro, promovendo uma recompensa que é vivenciada no longo prazo. Esta gratificação ajuda a desenvolver a capacidade de autocontrole e a adiar o prazer imediato, habilidades essenciais na regulação emocional e na tomada de decisões conscientes.
Em contraste, as redes são projetadas para oferecer recompensas instantâneas. Cada “curtida” gera um rápido pico de dopamina no núcleo accumbens, criando um ciclo de gratificação imediata. Embora esta sensação de prazer seja intensa, ela desaparece rapidamente, e o usuário pode desenvolver uma dependência desta estimulação constante .
A longo prazo, esta dinâmica pode reduzir a tolerância à frustração e enfraquecer o autocontrole, especialmente em crianças e adolescentes.
Desenvolvimento emocional
A leitura de um livro permite ao leitor explorar emoções e perspectivas através dos personagens, o que ativa áreas cerebrais associadas à empatia, como o sulco temporal superior e o córtex pré-frontal medial, contribuindo para um desenvolvimento emocional mais saudável.
O conteúdo da mídia social também gera respostas emocionais, mas, elas tendem a ser passageiras e não envolvem uma reflexão profunda. Muitas vezes, incentivam comparações sociais e podem desencadear respostas emocionais como ansiedade e baixa autoestima. Esses tipos de emoções, quando não acompanhados de um entendimento profundo, podem reduzir a resiliência emocional e dificultar o desenvolvimento da autocompreensão em crianças e adolescentes.
Memória de longo prazo
O impacto na memória de ler um livro ou da navegação nas redes sociais também é muito diferente. A primeira experiência ativa constantemente o hipocampo, o que facilita a consolidação da capacidade de raciocínio, inclusive futuro. À medida que uma história se desenrola, o leitor deve reter e lembrar detalhes, personagens e acontecimentos importantes, fortalecendo a memória episódica e semântica .
Acrescente-se a isso que o processo de compreensão da leitura permite o desenvolvimento de habilidades de pensamento crítico. Já o rápido consumo de conteúdo em plataformas como TikTok ou Instagram promove uma memória de curto prazo muito limitada. O cérebro recebe uma grande quantidade de estímulos visuais e fragmentos de informações sem o tempo adequado para processá-los e integrá-los.
Como resultado, a plasticidade sináptica é afetada e a capacidade de reter informações diminui. O uso frequente das redes sociais pode, portanto, afetar negativamente as habilidades de aprendizagem e memória a longo prazo.
Criação de novos neurônios
Com o tempo, a prática regular de leitura também promove a neurogênese (criação de novos neurônios) e ajuda a preservar a saúde do cérebro, reduzindo o risco de declínio cognitivo e emocional à medida que envelhecemos.
Mas o uso prolongado das redes sociais pode ter efeitos prejudiciais nestes aspectos. Isso siginifia que o consumo excessivo está ligado à diminuição da capacidade de atenção, ao aumento da impulsividade e, em alguns casos, a problemas de saúde mental, como ansiedade e depressão.
Para alcançar o desenvolvimento saudável do cérebro, somente a leitura oferece benefícios sólidos e sustentáveis, por isso, é fundamental que crianças e adolescentes cultivem esse hábito, deixando de lado o uso das mídias sociais. Então, sabendo tudo o que sabemos: ainda seremos preguiçosos demais para deixar nossos celulares na gaveta e abrir aquele livro que nos espera na mesinha de cabeceira? Como disse Cícero, “uma casa sem livros é como um corpo sem alma”.
Carmen de Labra Pinedo, Profesora Titular de Universidad en el Área de Fisiología, Universidade da Coruña
Este artigo é republicado do site he Conversation sob licença Creative Commons. Acesse o original.
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