Por Pollyana de Carvalho Bernardes, Rede Amazônidas pelo Clima (RAC) e Brenda Cardoso de Castro, Universidade do Estado do Pará (UEPA)
Já no final de 2023, quando Belém foi oficializada como sede da 30ª Conferência das Partes, começaram as críticas. Desconfianças internas e externas sobre a capacidade da capital do Pará de receber e organizar um evento desse porte, que atrai acadêmicos, ativistas, jornalistas e, sobretudo, lideranças políticas do mundo inteiro. De todos os lados, Belém foi desafiada sob as lentes, a nosso ver limitadas, de quem não vê na cidade as capacidades estruturais, organizacionais e tecnológicas necessárias para a realização de um encontro dessa magnitude e importância em plena região amazônica.
Mas grande parte do estranhamento causado pela realização do evento ali decorre da falta de conhecimento e dos estereótipos historicamente atribuídos às cidades da Amazônia. Até hoje, o imaginário internacional vê a região apenas como uma imensa floresta. Um universo exótico, que provoca fascínio mas também desprezo.
No Brasil, as críticas à escolha também têm origem na tradição de se manter as tomadas de decisão estratégicas concentradas nos espaços de poder de sempre, como São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília.
Ocorre que a Amazônia hoje tornou-se símbolo da preocupação ambiental que se propaga pelo mundo nas últimas décadas, para muito além dos círculos científicos e dos ativismos ambientais. Nada mais justo que, dessa vez, a população amazônica, brasileira e mundial possa conhecer mais profundamente os riscos que ameaçam seriamente esse ecossistema que a humanidade precisa proteger em prol da luta contra os efeitos das mudanças climáticas. Nesse contexto, a COP 30 pode e deve dar voz e visibilidade também àqueles que vivem, sustentam-se e defendem a região.
Uma história de desigualdade
A Amazônia tem sido relegada à periferia do Brasil desde a administração colonial, que considerava a região (então Província do Grão-Pará e Maranhão) uma terra separada do Estado do Brasil.
Atualmente, a precarização de Belém e das demais cidades amazônicas demonstra décadas de subdesenvolvimento e descaso com a região. Historicamente, o Norte do Brasil serviu às outras regiões do país, mais do que a si mesmo: o Ciclo da Borracha, que enriqueceu apenas uma elite desconectada das necessidades da população local, e os anos de garimpo na Serra Pelada são alguns exemplos históricos.
Com mais ênfase a partir dos anos 1960, políticas desenvolvimentistas foram pautadas na exploração predatória da floresta, de forma incompatível com as tradições e as necessidades reais dos povos originários e dos brasileiros que lá se estabeleceram.
Além disso, as agendas políticas centradas em oligopólios dentro da região também impediram avanços sociais que seriam significativos para as comunidades tradicionais e indígenas, e que até hoje sofrem e lutam diariamente pela manutenção de seus direitos e territórios, que por lei seriam inalienáveis.
Controvérsias sobre as cidades-sede
É a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC, da sigla em inglês) que define as cidades-sede das Conferências sobre o clima da ONU, tendo em vista também os desafios para as regiões escolhidas. Foi assim em Baku (COP 29), Dubai (COP 28) e Sharm El-Sheikh (COP 27). A questão é por que a UNFCCC vem sempre escolhendo cidades que demonstram grandes problemas sociais e ambientais.
Belém — e o estado do Pará como um todo — também enfrentam desafios ambientais. O Pará é recordista na destruição do bioma amazônico. Um exemplo dessa triste liderança são as queimadas, que acontecem em grande escala, afetando comunidades indígenas e áreas preservadas e liberando níveis absurdos de gases do efeito estufa. Entre junho e agosto de 2024, o estado foi responsável pela emissão de aproximadamente 31,5 milhões de toneladas de CO2 na atmosfera.
A destruição do bioma amazônico também fica evidente na proporção de desmatamento por estado. Somente em janeiro de 2025, o Pará foi responsável por 46% do desmatamento dentro da Amazônia Legal, com uma área desmatada que somou 355 quilômetros quadrados.
Em Sharm El-Sheikh, no Egito, apesar de avanços significativos na agenda de mitigação, a COP 27 recebeu críticas pela limitação para protestos e manifestações da sociedade civil, além da prisão de vários ativistas em sua chegada. O Egito também não teve sucesso no avanço das discussões sobre petróleo e gás frente à crise energética na Europa.
Já em Dubai, na COP 28, o sucesso ficou quase inteiramente na criação do Fundo de Perdas e Danos, para assistência aos países em desenvolvimento, e na apresentação do Global Stocktake – processo de avaliação dos avanços desde o Acordo de Paris, em 2015. No entanto, os detalhes incisivos sobre adaptação e financiamento novamente foram mínimos. Houve ainda uma incisiva presença de lobistas.
Na COP 29, um dos grandes desafios foi a discussão sobre o uso de combustíveis fósseis, já que o Azerbaijão é um de seus maiores produtores, e depende inteiramente do seu “presente de Deus”, conforme mencionado pelo presidente do país, Ilham Aliyev. Os resultados das negociações desanimaram a sociedade internacional: Baku foi uma decepção ao não avançar nos debates sobre financiamento, mitigação ou transparência.
Além disso, as conferências também vivenciaram desafios logísticos. Foi o caso de Sharm El-Sheik, que teve preços exorbitantes e cancelamentos inesperados, apesar de ser um local turístico.
Já Baku, mesmo sendo capital do país, enfrentou dificuldades na regulamentação das hospedagens, e foi necessário criar uma plataforma específica para hóspedes durante a COP 29.
Corrida contra o tempo chama atenção em Belém
No caso de Belém, o motivo de preocupação tem sido as mazelas cotidianas da cidade, como a gestão do lixo e os problemas logísticos de mobilidade urbana – falta de transporte público e vias congestionadas. As críticas são de que elas podem afetar a realização do evento ou passar uma “má impressão” para os visitantes.
Esses são problemas com que nós, belenenses, lidamos há décadas, com poucas mudanças na situação. Com a vinda da COP para nossa cidade, no entanto, parece que os problemas diários se tornam ainda mais evidentes.
A preocupação é legítima, obviamente, mas chama a atenção como, para muitas pessoas, é aceitável que a população viva assim, mas é inconcebível que líderes políticos e outras pessoas influentes sejam sujeitados a essa condição por duas semanas. Tanto que, a poucos meses da conferência, obras de infraestrutura têm se proliferado na cidade numa corrida contra o tempo.
A falta de infraestrutura nas COPs, contudo, é algo regular. Afinal, trata-se de um evento internacional de grande porte, promovido e pensado para ser realizado em lugares distintos do globo, com o propósito de aumentar o engajamento dentro e fora das nações.
Ao realizá-lo em um espaço marcado pelo colonialismo interno, o paradoxo da Amazônia ganha destaque: as respostas estão no território, mas aqueles que o protegem são ignorados. Essa é a hora deles estarem em evidência e serem ouvidos.
O protagonismo amazônida em alta
As três últimas Conferências do Clima que antecederam a COP 30 enfrentaram problemas para apresentar resultados definitivos, o que aumentou a descrença no próprio evento. As contradições vistas desde a COP 26 são válidas para o questionamento global frente à emergência climática.
A COP 30, portanto, tem sido constantemente cobrada para não repetir os erros de eventos passados. Belém, como sede, carrega um grande desafio: além de evitar equívocos anteriores, precisa apresentar resultados concretos.
Com isso em mente, o governo federal apoiou firmemente a escolha da cidade, e ressaltou a importância de se desenvolver outras regiões, para além do centro Rio de Janeiro-São Paulo.
Nessa perspectiva, a Região Norte desafia os paradigmas de ser um espaço “atrasado” ao apresentar novas concepções que, na verdade, são a resposta para muitos problemas ambientais. Um desses problemas, que uma COP na Amazônia pode ajudar a resolver, é a falta de comunicação entre os diferentes atores da sociedade civil.
Com a aproximação da COP 30, diversos coletivos se formaram, articulações tradicionais ganharam força e o sentimento de participação se fortaleceu. A sociedade civil brasileira – com especial protagonismo da sociedade paraense – intensificou sua participação no debate. Questões como qualidade de vida, segregação e (in)justiça climática no território amazônico tornaram-se centrais, unindo diversos movimentos em busca de protagonismo nas discussões ambientais.
Mais do que nunca, realizar uma Conferência das Partes na Amazônia não deveria ser questionável, e sim irrevogável. Afinal, apesar das vulnerabilidades da maior metrópole da floresta, incluir os amazônidas e a sociedade brasileira como um todo nas tomadas de decisão globais pela redução dos efeitos das mudanças climáticas é vital para que a COP 30 seja bem-sucedida e promova avanços mais concretos que os das anteriores.
Pollyana de Carvalho Bernardes, Pesquisadora, Rede Amazônidas pelo Clima (RAC) e Brenda Cardoso de Castro, Professora de Relações Internacionais, Universidade do Estado do Pará (UEPA)
Este artigo foi republicado do site The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original.
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