Amanda Lepore, club kid profissional, reflete sobre a noite: “Hoje tudo está ligado ao dinheiro”

Lábios marcantes, beleza vintage e looks deliciosamente sexy, todos de potência perigosamente elevada. Assim é a imagem de Amanda Lepore, nome de projeção da geração de club kids da década de 1990 pela trajetória provocante e corajosa na noite nova-iorquina. De vendedora do endereço icônico de Patricia Field a dominatrix, as entradas do currículo extenso de Lepore traçam um panorama importante da cena alternativa, desgastada nas últimas décadas pelo raciocínio que transforma transgressão e ousadia em mercadorias.

O legado e as histórias mais famosas fazem da figura delicada de sua presença na vida real uma surpresa imediata. Em passagem por São Paulo para dois compromissos pilotados pela B. Fun em parceria com a festa de NY PrettyUgly e o Grupo Vegas, Amanda mostrou que, hoje em dia, club kid também é profissional. Estava pronta (e já com o devido registro no Instagram postado) duas horas antes do horário, chegou quinze minutos adiantada à locação com comitiva discreta e deu foco total ao papo no camarim da Casa de Portugal, no bairro da Liberdade. Leia na sequência.

Qual sua melhor lembrança das visitas ao Brasil?
Sem dúvida a de 2011, quando gravei o clipe de minha faixa “Turn Me Over”em São Paulo.

Quanto tempo você leva para se produzir? Qual foi a inspiração do look de hoje?
O cabelo e a maquiagem levam cerca de três, quatro horas. Adoro este tempo para aproveitar com capricho os cuidados especiais. O look de hoje foi criado pelo [designer] Garo Sparo, mas acrescentei as plumas e criei os acessórios. Me disseram que o Brasil é quente, e não só pelo fervo, então achei o look apropriado.

Tem um designer favorito? Acompanha coleções e novidades de moda?
Para falar a verdade, não sigo a moda. Prefiro focar em meu estilo pessoal. E outra, todos os nomes que uso como referência já estão mortos! (risos). Tenho este look característico desde que comecei, há muitos anos… assim que me casei e comecei a brincar com maquiagem. Já passei pela fase dominatrix, mas mantive mesmo o visual glamoroso, um pouco Jessica Rabbit, um pouco anos 1950, mas bem artificial. São referências que não estão ligadas à moda em si, mas, já que aperfeiçoei esta imagem e a faço muito bem, acabei conquistando o respeito de quem trabalha na área.

Tem um item fashion favorito?
Não uso roupas de marcas, mas adoro um item de luxo: sapatos Christian Louboutin. Quando comecei usava muitos saltos fetichistas, mas designers não faziam roupas e acessórios para gente como nós. Ele, então, lançou saltos incríveis e superconfortáveis; estes são meus únicos abusos. Não gosto de gente frívola que tem que ter roupas só porque são da marca da vez. Fora isso, não abro mão de decotes generosos, até mesmo quando vou para a ioga!

Sair à noite, depois de tantos anos de festas, ainda é especial?
Pessoalmente, sinto que me divirto mais hoje em dia. Era muito tímida quando comecei e também fazia muitas performances no estilo dominatrix, algo que não gostava, fazia pelo dinheiro. Também passei muito tempo dançando no alto, presa em uma gaiola, então não me relacionava com as pessoas diretamente. Desenvolvi minha autoconfiança com a repercussão positiva de meu trablho, principalmente pelo sucesso com os projetos com David LaChapelle. Aí sim fui aceita como modelo de verdade.

Como vê as mudanças da cena noturna ao longo de sua trajetória?
Não conseguiria entrar em detalhes, mas sei que isso é fruto de muita mudança política; em Nova York, por exemplo, estão relacionadas às ações de um prefeito. Sinto também que tudo está muito ligado aos negócios e ao dinheiro. A turma de artistas subversivos passou a perder espaço para gente que quer mostrar o quanto ganha, caras que não conseguem pegar garotas e querem ostentar o ótimo emprego. Isso prejudica a cena, eu não cresci neste ambiente. Por outro lado, noto muitas similaridades com a cena dos club kids que vivi. Gente jovem, criativa, que se monta, constrói looks incríveis, trabalham com nomes alternativos ou fazem suas próprias roupas. Vejo que o link da minha geração com essa turma novinha se estabelece através da criatividade.

Pode selfie na pista hoje em dia? Que look você nunca usaria para sair à noite?
Eu sempre tento deixar o celular em casa porque é parte do meu trabalho receber as pessoas, sair em fotos… mas acho divertido, sempre participo dos cliques e dos snapchats dos meus amigos. No look, nunca sairia à noite vestindo jeans ou sapatos sem salto. Roupas folgadas, desleixadas, também são proibidas.

Como vê a projeção recente de nomes famosos transgêneros? Ajudam a dar visibilidade à comunidade?
Senti um progresso muito grande com a internet. Na minha época, um nome como eu ganhava fama a cada dez anos; eu fui a da vez por algum tempo. Hoje, a comunidade transgênero se aproxima de maneira bem mais eficaz através das redes sociais; seja lá do que você gostar, tudo está a uma pesquisa no Google de distância. Você não precisa se esconder. Isso dá mais força à cena alternativa.

Que conselho daria para quem enfrenta dificuldades para se aceitar ou para ser aceito?
Pela minha experiência, para cada pessoa que demonstra ódio ou que te desafia há outra, ou um grupo, uma comunidade, que vai te aceitar e te amar por ser diferente. Por mais difícil que pareça quando se é jovem, minha dica é investir de fato em ser exatamente quem você quer ser. Encontre forças nos seus objetivos, procure sua estrutura de apoio e aproveite as vantagens que temos com todos esses mecanismos ao nosso redor para seguir adiante.

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