Conheça a história de proteção das terras indígenas do Xingu, visitadas por Anitta

A visita da cantora Anitta ao Parque Indígena do Xingu, em Mato Grosso, nos dias 16 e 17 de agosto de 2025, foi mais um passo da cantora para reforçar a importância de debates sobre a preservação das terras indígenas no Brasil.

Acompanhada pelo apresentador Luciano Huck, Anitta participou da cerimônia Kuarup na aldeia Ipatse, do povo Kuikuro, e de um encontro com o cacique Raoni Metuktire na Terra Indígena Capoto-Jarina. A artista se emocionou ao destacar a importância da luta indígena pela natureza e pela resistência: “Só tenho a agradecer pelo convite e por [vocês] cuidarem da nossa natureza. Por continuarem lutando, resistindo”.

Essa presença gerou um impacto imediato: em apenas 24 horas, as buscas no Google Brasil relacionadas à cultura indígena dispararam 6.200%, com termos como “Povos do Xingu” crescendo 450% e “Indígenas” em 950%.

Mas, para entender o contexto dessa visibilidade, é essencial revisitar a trajetória da proteção das terras do Xingu, uma das maiores reservas indígenas do mundo, marcada por conquistas pioneiras e ameaças constantes.

A criação do parque em 1961

O Parque Indígena do Xingu, originalmente chamado Parque Nacional do Xingu, foi criado em 14 de abril de 1961, pelo decreto nº 50.455 do presidente Jânio Quadros.

Essa demarcação foi idealizada pelos irmãos sertanistas Orlando, Cláudio e Leonardo Villas-Bôas, que, na década de 1940, lideraram expedições ao Centro-Oeste brasileiro e estabeleceram contatos pacíficos com povos indígenas da região. Inspirados pelo antropólogo Darcy Ribeiro e pelo marechal Cândido Rondon, os Villas-Bôas visavam proteger os indígenas de invasões e epidemias causadas pelo avanço da fronteira agrícola e exploratória.

Na época, o Xingu abrigava cerca de 16 povos indígenas, incluindo os Kuikuro, Kayapó, Kamayurá e outros, totalizando uma área de aproximadamente 2,6 milhões de hectares. A criação do parque representou um marco no indigenismo brasileiro, sendo a primeira grande terra indígena demarcada no país.

No entanto, o processo não foi isento de controvérsias: a demarcação inicial excluiu áreas tradicionais de alguns povos, levando a ajustes posteriores. Epidemias de sarampo e gripe, introduzidas por não-indígenas, dizimaram populações nos anos iniciais, reduzindo o número de habitantes de milhares para centenas em alguns grupos.

Leia também…

Décadas de 1970 e 1980: consolidação e primeiras ameaças

Em 1973, com a aprovação do Estatuto do Índio (Lei nº 6.001), o parque foi reclassificado como “Parque Indígena do Xingu”, reforçando sua condição jurídica como território exclusivo para os povos originários. Essa mudança visava integrar a proteção ambiental à cultural, reconhecendo o Xingu como um mosaico de ecossistemas – savanas, florestas e rios – preservados pelos indígenas.

Os anos 1970 e 1980 trouxeram desafios crescentes. O regime militar promoveu projetos de infraestrutura, como a rodovia BR-080 (posteriormente abandonada), que ameaçava bisectarem o território e facilitar invasões de madeireiros e garimpeiros.

Líderes indígenas, como o cacique Raoni, ganharam projeção internacional ao viajar pela Europa com o músico Sting, em 1989, para denunciar o desmatamento e o projeto da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, que impactaria o rio Xingu. Essas campanhas resultaram em pressões que levaram a expansões da área protegida e ao fortalecimento de associações indígenas, como a Associação Indígena Kuikuro do Alto Xingu (AIKUX).

Anos 1990 a 2010: lutas contra o avanço do agronegócio e hidrelétricas

Nas décadas seguintes, o Xingu enfrentou pressões do agronegócio, com o avanço da soja e da pecuária nas áreas circundantes, causando contaminação de rios por agrotóxicos e desmatamento ilegal.

Em 1993, a Constituição Federal de 1988 foi regulamentada, garantindo direitos indígenas, mas a demarcação continuou vulnerável a invasões. O Plano de Gestão do Território Indígena do Xingu, elaborado em parceria com o Instituto Socioambiental (ISA), enfatizou a necessidade de proteção ao entorno para evitar impactos socioambientais.

Um dos maiores embates ocorreu com a construção da Usina de Belo Monte, iniciada em 2011, apesar de protestos indígenas. A obra alterou o fluxo do rio Xingu, afetando a pesca e a biodiversidade, e deslocou comunidades.

Em 2011, o parque completou 50 anos com comemorações que incluíram tradição, celebrações e também pautaram produções cinematográficas indígenas à frente.

Década de 2020: ameaças e resistência

Nos anos recentes, o Xingu tem lidado com o garimpo ilegal, agravado durante o governo Bolsonaro (2019-2022), que enfraqueceu fiscalizações da Funai e Ibama.

Invasões por madeireiros e mineradores ilegais poluíram rios com mercúrio, causando problemas de saúde. A pandemia de COVID-19 também devastou comunidades, mas os indígenas responderam com campanhas de vacinação autônomas.

Com a volta de políticas protetivas no governo Lula, em 2023, houve avanços, como o fortalecimento da demarcação e ações contra o desmatamento. No entanto, o “Marco Temporal” – tese que limitaria demarcações a terras ocupadas em 1988 – continua sendo uma ameaça, combatida por lideranças indígenas no Supremo Tribunal Federal.

A visita de Anitta, que reiterou seu apoio à demarcação e ao “Marco Temporal Não”, exemplifica como celebridades podem amplificar vozes indígenas.

Em postagens no Instagram para seus 63,6 milhões de seguidores, ela destacou a importância da preservação cultural e ambiental. Essa exposição não é nova para o Xingu – visitas de figuras como Angelina Jolie em 2025 também chamaram atenção global – mas reforça a necessidade de alianças para combater ameaças persistentes.

A proteção do Xingu ao longo dos anos é uma história de resiliência indígena, com avanços jurídicos e culturais, mas também de lutas contínuas contra interesses econômicos. Com 38 organizações indígenas ativas na região, o território permanece um símbolo de diversidade e sustentabilidade.

Iniciativas como a de Anitta mostram que a visibilidade pode ser uma ferramenta poderosa para garantir que essa herança perdure para as futuras gerações.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *