Falar em roupa de verdade numa semana de moda pode ter significados diferentes. Podem ser as peças da supermarca que saem da passarela pras lojas. Vale pra diferenciar quem mostra ideia e quem mostra algo pra vestir. Dá até pra virar um guarda-chuva que cubra quem se mostra alinhado com o normcore (que significa tanto e não significa nada).
Aqui, a “roupa de verdade” é pra tocar uma conversa específica sobre os primeiros dias de desfiles de inverno 2015 do São Paulo Fashion Week: roupa que ganha versão deslumbrada na passarela, mas segue para as araras e para os armários de quem veste suas criadoras. Detalho mais: é difícil engolir, falar sobre, ler coberturas e, pra quem trabalha diretamente nos parques durante o calendário fashion, enfrentar espera, correria e posicionar o melhor ângulo do iPhone (tem que fazer insta!) com marcas que não transformam o que apresentam em produto. Não sou só eu que implico com isso há tempos; os nomes mais recentes que entraram no line-up denunciam a vontade valorizar quem faz isso bem.
Uma marca que usa a estrutura como ferramenta de posicionamento, tipo mostra-tudo-e-vende-nada, tem o seu valor. Injeta dinheiro e traz atenção para o evento com o que consegue comprar (case Gisele Bündchen, por exemplo). Há também espaço para a criação sem roupa, mas talvez esta precise ganhar destaque em outro lugar (na galeria de arte?). Esses dois casos (tem outros) são complementares, mas não suficientes para fazer com que a semana de moda ajude a alavancar os negócios de suas participantes. Falta roupa que transforme o desejo da passarela em dinheiro. Alinhavar criação e comércio faz, de fato, as marcas andarem para frente e desenvolverem tanto a fachada quanto a fundação (além de dar animação extra em quem cobre moda).
A repaginada da Animale nas mãos de Vitorino Campos foi pontapé inicial dos melhores pra temporada. As mulheronas de antes, que entravam na passarela com looks impossíveis, distanciados das (muitas) consumidoras, começavam a desgastar a fórmula. O update veio em boa hora e os blazers e calças amolecidos, os casacões e as entradas de seda (como o vestido-nada, impensável na Animale de antes) são ótimos exemplos para encurtar a distância entre show e loja. Fizeram também muita jornalista (que só veste fast fashion e marca gringa) agradecer a chance de conseguir um guarda-roupa luxuoso e atual (sem fashionismo exagerado, na ressaca do normcore) feito no Brasil.
Não foi sorte de desfile principiante: Victor Dzenk mostrou seu lado casual com apropriação do universo equestre (da Hermès), Patricia Bonaldi adaptou a riqueza da linha homônima para a estreia da PatBo e a Cavalera usou o conto de “João e Maria” pra sofisticar o streetwear de olho nos anos 70 da vez. Continuou no dia seguinte com as segundas vezes de Giuliana Romano e da Lolitta no SPFW. Abro um parênteses: dois dos melhores desfiles do verão anterior. Giuliana é craque e um dos ótimos cases das marcas mais recentes. No evento, mostrou que a marca tem brilho na passarela além de vender e ser (muito) usada pela turma que lhe é fiel (nenhuma novidade estes dois últimos). De olho em um universo sombrio, mostrou vestido inspirado em smoking pra não ser careta em festa, caprichou na fenda alta e fez a versão mais legal da seda (ela de novo), aqui em detalhes com textura de pele.
Já Lolita (a estilista é com um ‘t’) soltou a mão nos vestidos que não parecem, mas continuam sendo de tricô e abriu o leque de ofertas. Teve chamariz de cliques: os “piercings de roupa”, aplicações de metais ao longo dos vestidos (sempre) colados em referência à riqueza das joias do antigo Egito. A imagem foi menos forte que a anterior, mas ficam poucas dúvidas de que neo-Cleópatras clientes da etiqueta vão levar os looks para os cliques de #OOTD do Instagram. Pop-up para destacar os acessórios da designer Mariah Rovery que finalizavam os looks. E mais: Pedro Lourenço desfila e já leva peças pra pop-up no Iguatemi. Um dos highlights do desfile do Reinaldo Lourenço era a estampa toda pontilhada (linda!), alternativa às aplicações-encarecedoras. Tem muita dica rolando por aí.
Passando a régua, a melhor peça para ilustrar a conversa de passarela nas araras destes primeiros dias de SPFW é a camisa. Está lá no rol da “moda-escritório”, ganha a rua aos montes, é popular tanto em suas versões de R$ 6o como nas de R$ 3 mil+. Agora, ganha cara de “item da vez” nas versões polidas da Animale e de Romanno (lembra também do início da temporada internacional do próximo verão?). Tem versão fantasia pra criar fascínio fashion (como o look Inception criado por Vitorino, de camisa com camisa), mas dá certo também na hora em que vira produto (que pode ganhar, inclusive, etiqueta de preço variada). Vai que ajuda a encher o caixa.