A resposta veio. Quando todo mundo se apropriou de elementos característicos de Miuccia Prada — pense na colagem de referências intelectualizadas ou na estética que redefine beleza através do que é estranho e complexo —, a estilista elevou o patamar da conversa.
Depois de uma coleção masculina de imagem potente e sub-texto enriquecido pela narrativa além-moda, ela guiou o grupo de mulheres de seu inverno 2016 para uma jornada por desafios similares aos deles, com o mesmo vigor. Sob o cenário da apresentação anterior, o espetáculo foi reencenado com um propósito definido: reforçar os valores que definem a grife e mostrar como sua moda enfrenta as dificuldades, mercadológicas ou metafísicas, que aparecem na sua frente.
A primeira palavra que veio à mente ao conhecer a coleção de perto na visita ao QG da grife na Via Fogazzaro dias depois do desfile foi memória. A mulher nômade, que carrega todos os apetrechos e as ferramentas de registros consigo, caminha por trilhas sinuosas. Vive em uma condição similar às de nossas lembranças (às de Miuccia também). Assim, entradas inteiras de náilon, material fundamental da história da casa, apareciam entre conjuntos que remetiam aos uniformes de caça ingleses ou vestidos de organza levíssimos de modelagem vintage usados com botas pesadas de inspiração trekking. Havia um bloco de denim bruto, intercalado entre brocados preciosos e casacos de inspiração náutica com direito a caps de marinheiro. Nada era linear.
Vale o link entre as camadas de lembranças que formam nossa história com o styling carregado. O mesmo look trazia casaco de lã, camisa desconstruída com uma nova leva de estampas assinadas por Christophe Chemin (retratando cenas distribuídas pelo intervalo de um ano), recortes de espartilhos (de amarração solta) ou cintos grosso de couro, meias grossas usadas como calças (como as que já fizeram tanto sucesso na grife), luvas, bolsas a tiracolo de alças largas e gargantilhas com penduricalhos — ali, ficavam os relicários, os caderninhos tipo diários, chaves de uma casa abandonada e pingentes decorativos brutos. Lembranças do que foi deixado para trás. E também, um belo rol de produtos num exemplo perfeito da ideia de itens colecionáveis de grife, uma das artimanhas da vez. Acumule o que puder (comprar).
Notável também era o diálogo entre o que é digno e valioso versus o que é grosseiro ou despolido, investigação pertinente quando casas do topo da pirâmide fashion têm ido atrás de elementos tão distantes de seus universos ou quando o que se valoriza é o luxo emocional de cada peça. Para fazer tal patchwork é preciso habilidade. Aqui, tricôs de lã em patches coloridos, quase um pull de remendos, ganharam mangas com punhos de pele e acompanharam sandálias altas de amarração, no bloco de acessórios mais precioso.
Vestidos de silhueta anos 1940 de veludo vinham decorados com patches do mesmo tecido, mas costurados por linhas de tons contrastantes e traços difusos. Eram feitos à máquina, mas pareciam mesmo reconfigurados à mão. A capa mais opulenta de pele da coleção era usada sobre um top de náilon; outra era jeans, mas com decoração nobre e capuz e punhos também em pele. À medida que a narrativa caminhava para um desfecho, o clash de texturas, detalhes e materiais tão distintos entre si era intensificado. Look nenhum saiu impune desta caminhada.
Olhar para trás, por mais estranho que seja em um mercado que vive de novidade, é um exercício de auto-reflexão necessário. Vestígios do que já foi conquistado ou do que já fez parte da história de cada grife (ou de cada mulher) ajudam a formar uma identidade estabelecida, única e corajosa. Frente às adversidades, parece uma boa saída a ideia de reconfigurar, através dos retalhos e do que se encontra pelo caminho, a melhor versão de si mesmo. Soa como um destino vitorioso para quem aceita o risco da aventura.