Em uma primeira viagem a Londres, a diversidade de culturas unidas nos espaços da cidade impressiona. Em quatro dias, confesso, devo ter lidado com mais pessoas de background cultural de outras nacionalidades do que com ingleses “legítimos”, por mais problemática que soe este tipo de delimitação. Se a cidade é movida por forças de origens distintas e a semana masculina de moda se esforça para valorizar o que há de notável em sua indústria local, o raciocínio não poderia ser outro: a miscigenação nas passarelas londrinas é, de longe, a mais eficiente do roteiro das capitais de moda internacionais.
Enquanto marcas de outras cidades se esforçam para quebrar a hegemonia do(a) modelo branco(a), as do circuito londrino estão um passo adiante. Não incluem dois modelos negros em tom de obrigatoriedade. Vasculham tipos diferentes através do recrutamento de “homens reais” e de agências além das renomadas, reforçam suas características mais marcantes (ao invés de tentar homogenizá-las) e, talvez o mais importante, assimilam o mix de bagagens culturais distintas em seus trabalhos. #miscigenaçãocomtesão
O trabalho de colher detalhes sobre coleções que fazem questão de explicitar cada uma de suas referências vira um exercício de abertura de olhar. De pesquisa no Google também (risos), dada a área tão delimitada na qual nos situamos pelo vício em receber informações sempre das mesmas fontes.
Como exemplo, pela (enxuta) agenda de grifes paralelas da TRAUM passaram uniformes das novas tribos urbanas (Maharishi), streetwear conectado às turmas dos latinos da Nova York dos anos 70 (Baartmans and Siegel), interpretação bem-humorada, e inclusiva, do cotidiano brasileiro sob olhar gringo (Bobby Abley). Fomos do caldeirão da cultura pop global (Moschino) ao remix dos trajes dos cultivadores de arroz na China (Chen Peng), todos representados por modelos tão distintos quanto suas referências.
Mais do que só variedade de inspiração, estes trabalhos ressoam de forma significativa por estarem situados em uma semana de moda aberta ao público ao seu redor, tanto no nível das ideias e da representatividade quanto fisicamente. A grande maioria dos desfiles da temporada masculina de Londres conta com entrada para standing, fila da turma sem-convite que assiste às apresentações em pé, e recebe atenção tanto da mídia principal quanto da rede da “nova imprensa de moda”, bloggers e fotógrafos de estilo, presentes em peso (e bem recebidos) por todas as atividades do calendário oficial.
Com o trabalho focado do British Council of Fashion e a esperteza de seus criadores, Londres não pode mais ser reconhecida apenas pela tradição histórica de sua alfaiataria ou pela inovação em sua vertente mais jovem e animada. Atenta à inclusão do universo vasto dos consumidores das imagens (e produtos) que saem de suas passarelas, a capital britânica já está pronta para exportar também um formato de apresentação de coleções que começa a dar conta dos novos tempos. Só falta quem o compre.