“A moda masculina evolui lentamente”. Quem já leu essa em qualquer cobertura de temporadas dedicadas aos homens? (“Todo mundo!”). Loucurinhas de passarela ganham distâncias ainda maiores da realidade quando se olha para desfiles deles; passam longe das lojas mesmo. Isso não significa que o pé precise sair do acelerador criativo para pensar em novas configurações de peças clássicas ou transformar tantas mudanças comportamentais (e suas adjacências) em informação de moda.
Nessa corrida, Londres se mantém em pole position. A London Collections: Men, lançada em 2012, reúne em quatro dias dois pilares da moda britânica: o melhor de sua alfaiataria (linkado com a tradição histórica da Savile Row) versus o talento mais efervescente de nomes recentes. Assim, o saldo da semana de desfiles não é só em roupa. Quem é esperto sabe que a figura masculina não é mais uma só, e todas elas estão em crise. O desafio das grifes é quase o mesmo dos homens que as vestem: quem é tradicional luta para não ser empoeirado; quem quer novidade procura quem estabeleça o diálogo mais consistente com sua modernidade. Tem muitos outros casos entre os dois exemplos e, em tempos de “tendência é morta”, tem marca (e homem) pra vários deles. Cinco deles estão aqui, filtrados pelas coleções que ganharam (meu) destaque desta vez, distribuídos em arquétipos que tentam dar conta de qual tipo de homem cada uma tenta atingir. Pra quem quer procurar os seus, os desfiles completos estão no site do evento, clicando aqui.
CRAIG GREEN – O homem sensível
Aqui, a (calma) conversa não é sobre masculinidade. Se na temporada passada Craig levou um protesto silencioso que emocionou os convidados (relembre), desta vez o volume subiu um pouco mais. A voz de Green encontrou seu séquito (suas vendas triplicaram e o casaco azul acolchoada apareceu em várias galerias de streetstyle), então rupturas não são tão bem-vindas. O guarda-roupa do homem sensível encontra meios para revelar e para proteger quem o veste, contraste visto entre camisetas brancas com nervuras feitas no corpo dos modelos e as jaquetas amplas e isolantes de neoprene. Amarrações e alfaiataria desabada (hit da LC:M) continuam; uma novidade é o recorte que destaca a nova zona erógena do estilista, uma porção circular da parte mais alta do abdômen (“onde os fantasmas saem quando um personagem de cartoon é morto”). Tentar passar pelos looks de Craig Green com pressa é bobagem. Se não tiver paciência, pode procurar outra turma.
KTZ – O combatente multicultural
A brincadeira com o uniforme de ‘Laranja Mecânica’ ajuda a dar o tom dos encrenqueiros da Kokon to Zai; se fosse em outras mãos, seria batido. Mas o remix que a marca faz a cada temporada de referências culturais injeta frescor no streetwear pro homem que é (ou quer se mostrar) forte, traço da marca. Entram em cena jaquetas de inspiração militar, casacos-casulo gigantes para quem encara o frio, prints de esqueletos de animais para quem briga com a natureza; alguém vai tirar sarro de um homem de vestido se ele estiver de KTZ? Aqui tem moda rua renovada à força pela etiqueta lançada em 2003, depois de sete anos como multimarcas no SoHo londrino.
J.W. ANDERSON – O pós-homem
Depois que os limites entre homem e mulher forem quebrados, quais roupas serão vestidas? De forma não tão radical, essa parece ser a questão que Jonathan Anderson decidiu abraçar em sua linha masculina. A fluidez de gêneros parece fácil quando usada como artifício ou publicidade; difícil mesmo é incorporá-la à roupa. Jonathan é um dos poucos a propor, de fato, um closet inclusivo com terno para ele só que com jaqueta dela, linhas curvas, maxibotões tipo joia, cintos largos ou tecidos de vínculo consolidado com a moda feminina. Nenhuma leitura dos anos 70, que segue com força também nesta temporada masculina do próximo inverno gringo, será tão ambivalente como a de Anderson.
SIBLING – O novinho fervido
Quem é novo sofre menos para levar rebeldia ao look. Depois de um verão de imagem mais forte e com um look final inesquecível, a Sibling, marca tocada pelo trio Joe Bates, Sid Bryan e Cozette McCreery desde 2008, mudou de curso e escolheu a versão mais animada de uma turma de colégio como ponto de partida. Impossível desengatar tanto pink do desfile Barbie da Moschino by Jeremy Scott: jovem e com muito bom humor pop pra causar desejo imediato. Nem pense no boneco Ken. Tricôs desgrenhados com painéis plastificados e casacos de pele fake são feitos pra quem não está nem um pouco preocupado com a perfeição do par da boneca. Debaixo da ferveção, camisas pólo cor-de-rosa, blazers e malhas listradas (pra quem já está mais para college) e cachecóis giga (mais ursos dos pins aos de altura quase igual à do casting). Divertidos mesmos são todos os tipos de tricô, dos casacões de ponto grosso no tom vibrante às malhas que ironizam as roupas de gente grande. Sweater dressing nunca foi tão divertido.
BURBERRY – O viajante aventureiro
Sabe quando você viaja e, na volta, deixa-se contaminar um pouco com o ambiente que lhe rodeava? O tema não é distante do universo da maior grife britânica, mas parece que os homens, desta vez, ganharam um pouco mais de aventura. A estampa de onça ao lado de florais de traços orientais avisa que o destino é um tanto exótico. A liberdade de algumas peças ganha cara de possível quando aparece na Burberry (ainda que em versões menos arrojadas); dão ideia que de podem sim chegar ao closet (de ideias, pelo menos) dos homens com salários para consumí-las. Os cachecóis com cartela extensa de cor e detalhes estampados servem como um cartão de embarque para que os consumidores se deixem levar por novas viagens. Christopher Bailey sabe aliar clássico e novidade na medida certa de ousadia, sem assustar os clientes fieis (e mais caretas) — não é à toa que acumula as funções de líder de gestão e de criação da marca. Desta vez a impressão foi de que o plano das ideias deu um passo ainda maior. Em 2013, a Burberry trouxe seu desfile masculino de volta a Londres (com a consolidação da LC:M). Temporadas depois, parece que o clima inovador e novidadeiro da semana de moda soltou a mão de Bailey. Tomara que não demore para abrir também o leque de escolhas de seus consumidores.